O que há em comum entre o adiamento para 2020 – via medida provisória editada no último dia 31 – dos reajustes previstos em lei para o ano que vem para carreiras do Executivo, a possibilidade de congelamento salarial para os servidores do Judiciário Federal a partir de fevereiro, a ‘crise’ da Previdência e a volta de doenças erradicadas (como o sarampo e a febre amarela)? A auditora fiscal aposentada Maria Lúcia Fatorelli não tem dúvida: o ralo da dívida pública.
“Se não enfrentarmos o tema da dívida não vamos conseguir manter a previdência, como não temos conseguido manter os direitos que conquistamos”, lembrou, durante o 5º Congresso Internacional de Ciências do Trabalho, Meio Ambiente, Direito e Saúde, realizado pela Fundacentro nos dias 27 a 31 de agosto.
Fatorelli explicou ainda o mecanismo utilizado pela Auditoria Cidadã para calcular o impacto dos pagamentos dos serviços da dívida pública no orçamento. A organização aponta que as dívidas no Brasil consomem anualmente cerca de 40% do Orçamento da União. Os críticos da metodologia questionam o fato dela fazer parecer haver maior comprometimento do que efetivamente as dívidas públicas consomem do Orçamento.
“Contabilizamos juros e amortizações porque a maior parte dos juros está sendo contabilizada [pela União] como se fossem amortizações, e não há transparência do que é essa composição, então temos que contabilizar tudo”, afirmou a auditora.
PL no Congresso ameaça gerar mais dívida
Maria Lúcia falou ainda sobre o que classificou de “esquema” identificado durante o trabalho de auditoria que realizou na Grécia, após a crise de 2015. Segundo a especialista, a securitização do crédito – dívida paga com recursos de contribuintes “desviados diretamente pelo sistema bancário” – criou novas dívidas aos países da Europa. No Brasil, tramita no Congresso Nacional um projeto de lei para regularizar a prática: o PLP 459/2017. Na prática, os bancos “compram” créditos parcelados aos municípios a custos muito acima do mercado. O poder público recebe parte das dívidas mais rapidamente. No entanto, as taxas cobradas fazem o Estado perder milhares de reais. Estudo divulgado pela própria Maria Lúcia, aponta que o município de Belo Horizonte perdeu entre abril de 2014 e junho do ano passado cerca de R$ 70 milhões.
À securitização, a auditora soma ainda como fatos geradores permanentes de dívida pública nova as perdas de caixa dos bancos (cujos juros e taxas são cobrados em operações de empréstimos remunerados por meio de títulos da dívida), além das isenções tributárias e prejuízos do Banco Central nas operações de SWAP cambial (compra de moeda estrangeira referenciada em previsões de alta das taxas de juros).
Os níveis das taxas de juros no país também foram duramente criticados. “A crise atual foi fabricada pela política monetária que fez o país cobrar 14,25% ao ano durante quase dois anos, enquanto o mundo praticava juro zero. E aí agora ‘precisa’ da emenda 93 para aumentar a DRU [desvinculação de receitas da União, que permite tirar dinheiro de orçamento carimbado para o pagamento de juros e serviços da dívida, e que aumentou de 20% para 30% com a referida mudança constitucional], emenda 95 para congelar os gastos sociais”, frisou.
Mudar a lógica tributária
Durante o evento, que discutiu os ataques ao modelo de Previdência por solidariedade geracional instituído na Constituição de 1988, o economista Eduardo Fagnani lembrou que “a idade mínima já existe para 70% dos brasileiros e a distorção [na composição etária da população] se corrige a partir de 2026”. O economista classificou como “terrorismo demográfico” a campanha de que o bônus populacional brasileiro (maior faixa de jovens e adultos em relação às população idosa) acabou.
Fagnani defendeu como solução para a preservação da seguridade social no país a elevação da tabela do imposto de renda para as grandes fortunas, combate efetivo à sonegação e mudança da base de incidência tributária priorizando a taxação de renda alta e patrimônio ao invés do consumo.
Nota de pesar
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