Dentro e fora do Judiciário, o balanço que muitos fazem a respeito da gestão da ministra Cármen Lúcia, que na quinta-feira (13) encerrou seu biênio na presidência do STF, é que ela alimentou mais expectativas do que cumpriu. Foi assim com a crise do sistema carcerário, com a intensificação dos conflitos entre o Judiciário e os demais poderes e com a guerra interna no próprio STF, só para citar alguns exemplos.
Em relação aos servidores, como principal gestora da Justiça brasileira, a ministra também deixou como “legado” o não cumprimento de compromisso e a intransigência de sequer receber as entidades representativas.
Projeto salarial
Quando Cármen Lúcia assumiu a presidência do Supremo, em setembro de 2016, os servidores acabavam de ter conquistado a reposição salarial, após mais de uma década em que os vencimentos ficaram praticamente congelados e de uma greve que marcou a história da categoria.
Dividida em oito parcelas semestrais, a reposição começou a ser paga em julho daquele ano. A última parcela incide sobre os vencimentos em janeiro de 2019 e até agora o STF não abriu nenhum canal de negociação com a categoria sobre um novo projeto salarial. A ministra Cármen Lúcia não encaminhou essa questão, que ficará para seu sucessor, Dias Toffoli.
Há dois anos, a Fenajufe e os sindicatos que representam os servidores esperavam que, livre da urgência de discutir a questão salarial, a ministra pelo menos se debruçasse sobre outros pontos da pauta de reivindicações da categoria.
Esses pontos foram apresentados à então presidente do STF em dezembro do ano passado, na única reunião que ela teve com dirigentes da Federação, um ano e três meses depois de assumir o cargo. Ao longo do ano, a Fenajufe havia feito 14 solicitações de reunião.
Carreira, jornada, quintos…
Na ocasião, os servidores pediram a retomada dos trabalhos da Comissão Interdisciplinar para discutir a carreira no Judiciário Federal, a instalação de um fórum permanente de negociação da política salarial, a mudança da escolaridade exigida para o cargo de técnico judiciário (passando a exigir nível superior), a regulamentação nacional da jornada de seis horas de trabalho e o encerramento das discussões sobre a criação de carreiras exclusivas nos tribunais superiores.
Os dirigentes também se manifestaram contra a declaração de inconstitucionalidade do pagamento dos quintos incorporados e contra a proposta do ministro Gilmar Mendes de editar súmula vinculante para cassar o direito aos 13,23%.
A ministra não se posicionou em relação a nenhum desses itens, limitando-se a dizer que marcaria um novo encontro depois de estudar a 1, o que nunca aconteceu.
Um único ponto da pauta avançou um pouco depois daquela reunião: o auxílio-alimentação e o auxílio-creche foram reajustados neste ano pelo IPCA do ano passado, após edição de portaria conjunta dos tribunais superiores, mas a inflação de 2016 foi ignorada. Os servidores haviam reivindicado durante o encontro que o Judiciário usasse as sobras orçamentárias para fazer a correção dos benefícios. Se Cármen tivesse atendido à demanda autorizada na Lei de Diretrizes Orçamentárias e compatível com o orçamento do Poder, o reajuste – que ficou em 2,95% – seria de 9,43%.
Teto de gastos
Como presidente do CNJ, Cármen Lúcia investiu no avanço da informatização do Judiciário sem promover discussões sobre o impacto disso na saúde dos servidores e sobre as metas de produtividade impostas à categoria. O combate ao assédio moral e sexual no Judiciário também sequer foi debatido.
Na presidência do STF, o período de Cármen Lúcia foi marcado ainda pela antecipação das restrições orçamentárias criadas pela Emenda Constitucional 95/2016 – a emenda do teto de gastos –, que congela os gastos do Judiciário e de todo o serviço público por até 20 anos.
“Na verdade ela terminou por assumir uma postura de articuladora da política de ajuste. Com o discurso de ‘ austeridade’, antes mesmo da aprovação da emenda, ela se reuniu com ministros, parlamentares e, recentemente, até fora da agenda com o presidente”, lembra o diretor do Sindicato e servidor do TRT Tarcísio Ferreira.Os efeitos vão desde a falta de reposição do quadro funcional – com a consequente sobrecarga de trabalho – até a insuficiência de verbas nos tribunais para a assistência médica, deixando os servidores expostos aos aumentos abusivos das mensalidades dos planos de saúde.
Ao mesmo tempo, as discussões sobre a reforma da Previdência aceleraram os pedidos de aposentadoria no Judiciário e agravaram o déficit de servidores.
Tanto num caso como no outro, a ministra não se pronunciou. Ela também silenciou quando seu sucessor, Dias Toffoli, procurou o Executivo para negociar a troca do auxílio-moradia dos magistrados por um aumento de 16,38% no subsídio dos ministros do STF, para mais de R$ 39 mil. A ministra publicamente sempre se manifestou contra o auxílio-moradia, mas sua gestão se encerrou também em silêncio sobre a escandalosa movimentação de seus colegas de toga para incorporar o benefício aos vencimentos.
*Aborto*
De resto, Cármen Lúcia deixou de pautar no plenário do Supremo questões importantes de interesse geral da sociedade. A ação sobre autorização para o aborto em caso de contaminação por zika vírus, por exemplo, foi recebida pelo STF em 2016, ficou sob a relatoria da ministra e chegou a entrar na pauta para julgamento no mesmo ano, mas nunca mais voltou ao plenário.
O aborto também é tema da Arguição por Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, que pretende descriminalizar a prática ao questionar os artigos 124 e 126 do Código Penal. A ADPF está sob a relatoria da ministra Rosa Weber, que no mês passado colocou o assunto para ser debatido em audiências públicas, mas ainda não há data para o julgamento.
Entre os assuntos que foram julgados durante o biênio de Cármen Lúcia, o site “Jota” listou alguns que merecem destaque:
– redução do escopo do foro privilegiado;
– constitucionalidade da terceirização de atividades-fim por empresas;
– o direito de transgêneros alterarem seu registro civil sem a necessidade de mudança de sexo; reconhecimento da imprescritibilidade de ação de ressarcimento ao erário por ato doloso de improbidade;
– impossibilidade de condução coercitiva de pessoas investigadas,
– poder da polícia de firmar acordos de delação premiada;
– inconstitucionalidade de norma federal que permitia a industrialização e comercialização do amianto crisotila;
– possibilidade de ensino religioso confessional nas escolas públicas;
– constitucionalidade do fim da contribuição sindical obrigatória;
– constitucionalidade do Código Florestal;
– regularidade dos acordos de delação homologados por ministro do Supremo, com aplicação dos respectivos benefícios aos investigados.
– poder da polícia de firmar acordos de delação premiada;
– inconstitucionalidade de norma federal que permitia a industrialização e comercialização do amianto crisotila;
– possibilidade de ensino religioso confessional nas escolas públicas;
– constitucionalidade do fim da contribuição sindical obrigatória;
– constitucionalidade do Código Florestal;
– regularidade dos acordos de delação homologados por ministro do Supremo, com aplicação dos respectivos benefícios aos investigados.