Quando representantes das entidades sindicais nacionais do funcionalismo público federal foram recebidos no Ministério do Planejamento, em março passado, ouviram do secretário de Gestão de Pessoas, Augusto Akira Chiba, mais do que a velha retórica da falta de recursos para reivindicações que envolvam despesas orçamentárias. O secretário disse considerar a situação dos serviços públicos no Brasil insustentável com a Emenda Constitucional 95 em vigor.
Chiba deixou claro aos dirigentes do Fórum das Entidades Sindicais Nacionais dos Servidores Públicos Federais (Fonasefe) presentes à reunião que tudo hoje em relação ao funcionalismo e ao setor público passa pelas restrições impostas por essa emenda.
A EC 95 foi aprovada pelo Congresso Nacional em 29 de novembro de 2016, em meio a protestos e bombas em Brasília, poucos meses após Michel Temer assumir a Presidência.
A partir do ano passado, todos os próximos orçamentos passaram a ser limitados ao orçamento daquele ano, corrigido pelo IPCA do período. “É algo insustentável para as universidades, para a saúde pública e os serviços públicos em geral em poucos anos”, disse o professor Roberto Leher, reitor da UFRJ, que vem estudando os impactos da EC 95, em recente ato público.
Judiciário
O Poder Judiciário vive uma situação peculiar. A emenda constitucional prevê que nos três primeiros anos de sua implementação, o PJU e o MPU poderão contar com até 0,25% dos recursos previstos para as despesas primárias do Executivo. Essa dotação extra acaba no ano que vem e a situação tende a se agravar.
No ano passado dirigentes de vários sindicatos do Judiciário Federal, entre eles o Sintrajud, se reuniram com as direções dos tribunais e conselhos superiores, em Brasília, para cobrar mais recursos para os benefícios sociais. O que mais se ouviu dos representantes das administrações naquele momento foi a previsão de um cenário catastrófico para 2020.
Para piorar, mesmo com o recurso extra de ses três primeiros anos, as administrações se anteciparam e estão aplicando às despesas com pessoal, um receituário tão ou mais duro do que o previsto na EC 95. Exceto no caso dos juízes, que continuam recebendo, por força de uma liminar concedida pelo ministro do Supremo Luiz Fux, o indefensável auxílio moradia.
Levantamentos e estudos feitos pela assessoria econômica do Sintrajud evidenciam a política de arrocho prévio. “Notadamente na Justiça do Trabalho, ocorreu uma grande priorização das despesas administrativas. O montante do orçamento que poderia ser utilizado para aumentar os benefícios sociais foi destinado para as despesas administrativas dos tribunais do Trabalho”, observa o economista Washington Lima.
Com relação à aplicação da EC 95 nos tribunais há ainda outra questão em pauta: a emenda diz que despesas salariais decorrentes de decisões judiciais ou legais ocorridas antes da entrada em vigor da alteração constitucional não devem ser incluídas nos limites fixados para o orçamento. No entanto, as administra- ções dos tribunais vêm dando sinais que não entendem assim e que não pretendem fazer tal diferenciação no cumprimento da EC 95.
Reação
Desta forma, a luta contra o congelamento dos orçamentos públicos pode se dar em duas frentes concomitantes e associadas: a defesa da revogação da emenda constitucional e a disputa sobre em que bases ela será aplicada enquanto vigorar.
Para o servidor Adilson Rodrigues, da Justiça Federal de Santos e integrante da coordenação-geral da Federação Nacional da categoria (Fenajufe), o que está em curso é um crime contra os direitos sociais e trabalhistas e os serviços públicos. “Esse crime inclui a tentativa de desmonte e precarização das atividades dos vários ramos do Judiciário – Justiça Federal, Justiça Eleitoral e, principalmente, a Justiça do Trabalho – incluindo a sua estrutura de afirmação de direitos”, analisa.
Diante desse ataque, Adilson avalia que “a solução é única: denunciar esta emenda e buscar sua revogação por todos os meios. Ela implode qualquer perspectiva de projeto de nação que busque superar as profundas desigualdades existentes em nosso país”, afirma.
Congelamento de despesas primárias e liberação de gastos com juros a bancos
A Emenda Constitucional 95 congela até 2036 somente as chamadas despesas primárias do orçamento da União. Não há restrições para gastos com juros das dívidas públicas. Assim, ao mesmo tempo que inviabiliza a expansão dos serviços públicos e dos programas sociais, canaliza eventuais crescimentos na receita para as despesas relacionadas aos títulos das dívidas públicas.
A Auditoria Cidadã da Dívida – organização civil que defende a suspensão do pagamento das dívidas públicas e uma rigorosa investigação de sua legalidade – vê na EC 95 um instrumento para favorecer uma engrenagem que já suga anualmente perto da metade de todo o orçamento da União.
A auditora fiscal aposentada Maria Lúcia Fatorelli, da coordenação da Auditoria Cidadã, argumenta que a dívida pública, que deveria ser um instrumento para trazer recursos para o Estado, se tornou um “mecanismo fraudulento” que, em 2017, destinou R$ 2,7 bilhões por dia ao mercado financeiro.
O economista Washington Lima, que assessora o Sintrajud, constatou que já no início da implantação da EC 95 a previsão para despesas com as dívidas públicas cresceram muito mais do que o restante do orçamento. Na comparação entre 2016 e a previsão para 2018, aumentaram cerca de 37% os valores destinados a juros e amortizações das dívidas financeiras, e apenas 5% o que se refere a todos os outros gastos.
Não surpreende que, em meio à crise e à recessão econômica, as instituições bancárias tenham continuado a bater recordes de lucros no Brasil, como mostra estudo do Dieese (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos). No ano passado, “o lucro líquido dos cinco maiores [bancos] somou R$ 77,4 bilhões, montante 33,5% superior ao registrado em 2016”, assinala o documento.
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