DEMOCRACIA 23 de Julho de 2018 - Por Geraldo Euclides

Não estamos prontos

Escrito por: Geraldo Euclides
Data de Publicação: 23 de Julho de 2018

Existe a opinião corrente de que a população brasileira não passa de um aglomerado de pessoas ou mero conjunto de habitantes que, por definição, reside num determinado lugar, mas que ainda não desenvolveu o sentimento de solidariedade nem a capacidade de cuidar uns dos outros. Por esse lado, não seria exagero afirmar, grosso modo, que os brasileiros não se importam com a vida dos semelhantes nem se unem em torno de causas realmente valorosas para o país. Antes, somos individualistas, nepotistas e corporativistas, alimentando abertamente a cultura do levar vantagem. 

Concordamos que somos relativamente contra tais práticas, mas o problema é que quase nunca as reconhecemos em nós mesmos, e sim nas outras pessoas, especialmente se pertencerem à classe política.   

A propósito do campo da política, destacando o quadro atual, devido à exposição de casos de corrupção na mídia, é comum vermos manifestações de pessoas nas redes sociais contra políticos corruptos, com visível prioridade para aqueles que são exibidos incessantemente na imprensa, indicando que tais internautas, possivelmente, sequer estejam em condições de fazer uma crítica ampla e contundente ao problema da corrupção. Figuram como moralistas seletivos de carteirinha. Isto quando estes mesmos justiceiros de corruptos não são exatamente aqueles que fraudam licitações, oferecem propinas a servidores públicos, não pagam o que devem a moça que fornece almoço ou lanche, não são honestos no troco da padaria e coisas do gênero, denotando sua inteira e descarada hipocrisia. E o que dizer daquele que na empresa ou instituição em que trabalha é o pior de todos, mas que sabe perfeitamente como deve se comportar o seu trabalhador doméstico ou aquele que contrata para realizar determinado serviço? Alguns até se arriscam a gravar para o quadro “o Brasil que eu quero”. Quem não conhece tais figuras impolutas e tão, tão, tão... austeras? O caso é que, na prática cotidiana, estamos garantindo a tradição do nosso sagrado amor a si próprio e do jeitinho desonesto de ser. Seguimos, portanto, firmes e convictos na luta e cobrança pela honestidade e bons costumes dos outros.

Quantos caçadores de corruptos e da desonestidade alheia não estão por aí assinando o livro de ponto no horário em que não estão no trabalho? Quantos são relapsos e não fazem suas obrigações como devem ser feitas? Quantos furam a fila no retorno de carros na avenida? Curiosamente, estes podem ser os que mais reivindicam direitos e reclamam de tudo e de todos, a tentar encobrir, quem sabe, seus próprios erros, incoerências e vergonhas. 

Então, quando topares com o tipo ressentido e reclamão pela frente, talvez ele não mereça tanto os teus ouvidos, pois é possível que seja um exímio apontador dos erros dos outros..., e nada mais. 

Por todos os cantos da convivência social, sem distinção de classe, cargo ou grau de instrução, cultivamos a torpe tradição do oportunismo, do privilégio e do locupletar-se. Em várias ocasiões de crise, mostramos que não conseguimos ser solidários uns com os outros. Pelo contrário, em tais oportunidades, aflora-nos o vil impulso de flagrante oportunismo e desonestidade, como que a legitimar o status quo da moralidade nacional.

Com efeito, a recente e circunstancial escassez de combustíveis nos postos, em razão da greve dos caminhoneiros, foi aproveitada por muitos empresários para elevarem exorbitantemente os preços dos produtos nas bombas. Outros aproveitaram para aumentar o preço do gás de cozinha. Noutra ocasião, quando da paralisação de policiais em greve, a sociedade assistiu atônita aos inúmeros saques de lojas e supermercados, quando muitos do povo subtraiam tudo o que estava ao alcance de suas mãos. Quantos caminhões tragicamente tombados nas estradas brasileiras são rapidamente saqueados por populares, sem sequer prestarem atenção ao padecer do motorista ainda nas ferragens? Além do mais, quantos da sociedade não se acham merecedores de inúmeros privilégios? Raramente aparece uma digna alma “do contra” e faz questão de não usufruir de tais benesses, não sem a devida crítica e punição do grupo. 

Tudo isso nos faz supor que ainda não estamos prontos para darmos um salto civilizatório, rumo à construção de um país pautado pela honestidade, justiça e sentimento de nação, onde o interesse público possa finalmente suplantar os inúmeros interesses particulares e espertezas. Por fim, penso que se almejamos realmente um país diferente do que está aí, vale o esforço de cada um para examinar corajosamente suas próprias ações, buscando operar em si mesmo as mudanças que prontamente é capaz de prescrever para os outros.  

Geraldo Euclides é servidor do TRT/PE. 
geraflores@uol.com.br


* Este artigo é de inteira responsabilidade do(a) autor Geraldo Euclides e não necessariamente expressa a opinião da direção do SINTRAJUF / PE.