A regulação dos planos de saúde praticada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) está capturada pelos poderosos interesses empresariais do setor, desprotegendo milhões de usuários. É o que afirma Luiz Alberto dos Santos, especialista, consultor do Senado e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
A grande assimetria na relação empresas-usuários exige a regulação, limitação e fiscalização pública da atividade empresarial em saúde, inclusive sob o aspecto econômico. Por isso a CF88 e a legislação prescrevem ao setor privado princípios éticos e normas quanto às condições de funcionamento.
“Para suprir a necessidade de um órgão regulador específico, a Lei nº 9.961, de 28 de janeiro de 2000, criou a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), um instrumento executivo do Ministério da Saúde, como órgão de regulação, normatização, controle e fiscalização das atividades que garantam a assistência suplementar à saúde. A sua finalidade institucional expressa é ‘promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde, regulando as operadoras setoriais, inclusive quanto às suas relações com prestadores e consumidores, contribuindo para o desenvolvimento das ações de saúde no país’”, explica o professor.
Um mercado fabuloso
Segundo a ANS, 47,25 milhões de brasileiros são beneficiários de planos de saúde. Esses segurados estão vinculados a 757 operadoras, em 18.743 planos, segundo dados de junho de 2018. Desses usuários 38 milhões são filiados a planos coletivos (chegaram a 66,8% do total em outubro de 2018), com assistência vinculada a uma relação de trabalho. Outros 9 milhões estão vinculados a contratos individuais e familiares, com ou sem patrocínio de empregadores.
As receitas de contribuições aos planos de saúde atingiram, no primeiro trimestre de 2018, R$ 44,9 bilhões, o que permite estimar, para o ano, mais de R$ 180 bilhões. Esse valor supera muito a dotação total da União para o Sistema Único de Saúde em (R$ 119 bilhões).
Um mercado concentrado
O mercado de saúde complementar passa por intenso processo de concentração, comum a todos os ramos econômicos no capitalismo. Grandes conglomerados empresariais – inclusive estrangeiros e não necessariamente da área da saúde (como fundos de investimentos e bancos) - vêm submetendo fatias cada vez maiores do setor, reduzindo a concorrência e afetando direitos dos consumidores e a regulação pública das empresas.
Com base em dados do Cadernos de Informação da Saúde Suplementar (2007 a 2011), do Atlas Econômico-Financeiro da Saúde Suplementar de 2010 e do Prisma Econômico-Financeiro da Saúde Suplementar do 2º trimestre de 2011, os consultores da Câmara dos Deputados Hugo Fernandes e Luciana Teixeira observaram que, no período, o número de operadoras no Brasil sofreu um decréscimo de 6,78%, ao passo que o número de beneficiários aumentou 9%.
Já em 2016, apenas três operadoras concentravam mais de 25% dos beneficiários de planos de saúde suplementar do país. O processo deconcentração ocorre mediante “conglobamentos” de planos sob um grupo controlador, mantendo uma falsa sensação de escolha pelos consumidores.
Lucros fabulosos
Assim como os bancos, as operadoras de planos de saúde auferem lucros extraordinários, mantidos até em anos de forte recessão. Em 2016, mesmo com a redução do número de segurados em cerca de 1,5 milhão, atingidos pela crise econômica, desemprego e impossibilitados de pagar as mensalidades, a lucratividade subiu 70,6% em relação a 2015, segundo a ANS, e o faturamento cresceu 12,8%, atingindo R$ 158,3 bilhões. Nada muito diferente do que ocorreu em 2017 e 2018.
Incluem-se nesses ganhos os valores bilionários não ressarcidos ao SUS pelos planos de saúde. Desde que o ressarcimento foi instituído, pela lei
9.656/98, os planos dão calote no SUS. A regulamentação e a cobrança favorecem as empresas, que comandam de dentro a morosidade da ANS.
O SUS — para onde os planos empurram os atendimentos “indesejados” – está subsidiando o setor privado, que ainda têm subsídios, desonerações, renúncia fiscal, plano privado para funcionalismo público etc, explicam especialistas Lígia Bahia (UFRJ) e Mário Scheffer (USP).
Preços descontrolados
Em junho de 2018, a ANS autorizou as operadoras a reajustarem os planos de saúde individuais e familiares, com base na média dos reajustes de
planos coletivos, em até 10%. Esse índice foi muito superior aos 5,72% de inflação para o segmento de saúde e cuidados pessoais acumulada em 12 meses até maio.
Revela o professor da FGV que se trata de uma exorbitância recorrente. Ele registra que de 2013 a 2018 houve um aumento 129% superior à
variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA e 66% superior à variação do IPCA para o segmento de saúde e cuidados pessoais, acumulada em 12 meses.
O modelo de saúde suplementar em vigor vem causando elevada judicialização e já motivou requerimento de criação de uma CPI, de autoria da
Senadora Lídice da Mata (PSB-BA), para investigar a prática de preços dos planos de saúde e a atuação da ANS.
Alternativas
Essa imposição de preços vem pressionando os servidores do Judiciário, seja nos planos licitados pelos tribunais, seja nos contratados
diretamente pelos usuários. À custa de argumentos sobre não verificáveis sinistralidades e inflação médica – e até sobre “ausência de opções no mercado” -, os reajustes estão afetando crescentemente o orçamento familiar da categoria e tornando incontornável a avaliação de alternativas.
É imperioso manter viva a defesa de investimentos e melhorias no sistema público e universal de saúde e cobrar a proteção dos usuários pela ANS.
Mas já ocorre uma busca por alternativas. No Judiciário, em todo o País, vem-se debatendo com vigor a adoção de modelo próprio, solidário e não mercantilizado de assistência a saúde dos servidores, que é a autogestão.
O Sintrajuf-PE vem acompanhando ao lado dos servidores a implantação desse novo modelo no TRT6 e está requerendo aos outros Tribunais que realizem estudos de viabilidade acerca do assunto.
Fontes:
1. Artigo completo no Portal CTB
2. Câmara dos Deputados
3. Viomundo
4. Agência Senado