ARTIGO 10 de Junho de 2020 - Por SINTRAJUF/PE

Alerta: MP 922/20 avança no Congresso com reforma administrativa "fatiada"


Servidor público federal aposentado, assessor da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público e consultor de entidades sindicais, Vladimir Nepomuceno faz um relato da estratégia do Governo Bolsonaro, que está sendo coordenada pelo deputado federal Tiago Mitraud (NOVO-MG), de “fatiar” a reforma administrativa:


Ao participar no último dia 8 de junho de audiência pública promovida pela Frente Parlamentar Mista da Reforma Administrativa, o secretário especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia, Paulo Uebel, defendeu as alterações na Lei 8.745/93, que dispõe sobre a contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, através da MP 922/20, que amplia as situações nas quais é possível a contratação de pessoal para atender necessidades temporárias do governo, não do Estado, como veremos.


Inicialmente anunciada como necessária apenas para permitir a contratação temporária para suprir a necessidade do INSS em atender as demandas acumuladas que geraram uma fila de 1 milhão e 800 mil pessoas aguardando pela liberação de benefícios, a medida provisória 922/20 é, na verdade, mais um adiantamento da reforma administrativa em questão que independe de alteração constitucional.


Durante a audiência pública foi utilizada pelo secretário uma série de argumentos, todos vazios, que mostra o mal disfarçado interesse da gestão da máquina pública do atual governo em seguir adiantando pontos do que a equipe do Executivo federal chama de reforma administrativa.


Um dos argumentos utilizados pelo secretário foi o de que, do ponto vista das contas públicas, não é interessante fazer concurso público para efetivar um trabalhador que vai atuar em um projeto específico que será concluído em curto prazo (como se já não existisse a Lei 8.745/93 e essa lei não fosse aplicada). Uma argumentação, no mínimo, vazia, já que esse era o objetivo original quando foi aprovada a lei, em 1993. Lei criada justamente com o objetivo de atender a necessidades temporárias da administração pública, como é o caso de desenvolvimento e implantação de projetos. Além disso, a lei também já previa a contratação temporária para garantir a assistência a situações de calamidade pública, como é o caso atual. Ou seja. Se a preocupação era o alegado pelo secretário, não seria necessária a medida provisória.


Outra pérola do secretário foi dizer que, após assumir um cargo público, o servidor permanece vinculado à administração durante 60 anos, segundo ele, o período entre o tempo de atividade, a aposentadoria e o tempo de pagamento da pensão a seus familiares após o falecimento. O que ele não disse é que essas vagas ocupadas através de concurso público são destinadas exclusivamente a atividades permanentes e exclusivas dos órgãos da administração pública, ficando as atividades temporárias (como os projetos por prazos definidos, ou calamidade pública, citados acima) a cargo dos contratos temporários, como vem sendo feito há, pelo menos, 27 anos. Da mesma forma, o secretário não disse também que atividades de suporte, como conservação, limpeza, segurança, vigilância, transportes, informática, copeiragem, recepção, reprografia, telecomunicações e manutenção de prédios, equipamentos e instalações já são executadas indiretamente através de trabalhadores terceirizados, não havendo servidores concursados nessas atividades.


Como bom desconhecedor (?) da administração pública que parece que descobriu a pólvora, ou quem sabe a roda, o secretário diz que “quando a gente mistura demandas de curto prazo com soluções de longo prazo é ineficiência total. O Poder Público acaba criando uma estrutura muito inchada, muito pesada, que prejudica os bons servidores. Depois, você não consegue dar aumento para os bons servidores, você não consegue dar uma carreira desafiadora para essas pessoas, porque você tem que atender a uma estrutura muito inchada”. Nessa declaração, mais uma vez ficou exposta a intenção de confundir quem acompanhava sua argumentação, tentando justificar a falácia de “máquina inchada” e que seria essa uma das razões para a não concessão de reajuste remuneratórios para servidores. Esses argumentos insustentáveis, aliás, foram muito bem desmentidos em um excelente trabalho apresentado pela AFIPEA – Sindicato Nacional dos Servidores do IPEA, denominado MITOS E VERDADES SOBRE O FUNCIONALISMO NO BRASIL: O PERFIL DOS SERVIDORES AO LONGO DE TRÊS DÉCADAS (1968-2017), de autoria dos pesquisadores do IPEA Felix Lopez e Erivelton Guedes. Trabalho divulgado pela Frente Parlamentar Mista do Serviço Público.


Que entre os objetivos da reforma administrativa estão a redução do quadro de servidores e o congelamento, ou redução salarial, isso já está claro, dispensando as inverdades mais uma vez usadas como argumentos a lá Goebbels. Esse “desconhecimento” pode também ser lido como alguém que, ainda que conheça a máquina pública, confunde propositalmente seus interlocutores enquanto põe uma granada no bolso do “inimigo”.


Acompanhando o desenrolar da audiência pública, ficou nítido o objetivo central do representante do governo federal. Uma vez que a Frente Parlamentar Mista da Reforma Administrativa é composta por defensores da redução da estrutura e do corpo funcional do Estado, o evento foi, na realidade, usado como espaço de divulgação para o público externo e de unificação de discurso entre o Executivo e seus apoiadores no Congresso sobre mais um passo da reforma administrativa fatiada. Um registro que deve ser feito e que corrobora o já dito, é o fato de que o “eixo central” da medida provisória, a razão alegada par sua edição, a contratação temporária para o INSS, sequer foi mencionada durante a audiência pública. O silêncio sobre esse ponto é mais do que esclarecedor.


Por fim, só relembrar que todos sabemos que a meta a ser alcançada pelo governo nesse tema, com a parceria dos membros dessa Frente no Congresso, entre outros, está muito bem definida no relatório do Banco Mundial sobre o funcionalismo público brasileiro (que também pode ser lido como caderno de tarefas), apresentado, não por acaso, em uma outra audiência pública na Câmara dos Deputados, no dia 9 de outubro do ano passado (disponível na internet) , e que serviu de base para o Programa Mais Brasil, apresentado pouco tempo depois pelo Executivo federal.


Fonte: http://vladimirnepomuceno.com.br/